Um atacante suicida atingiu o quarteirão diplomático fortemente protegido em Cabul com um caminhão carregado de bomba durante a hora de pico na manhã de 31 de maio, matando mais de 100 pessoas e ferindo mais de 400. Não houve reivindicação de responsabilidade pelo ataque.
"Presenciei muitos ataques, retirei pessoas feridas de muitos locais explodidos, mas posso dizer que nunca vi um ataque tão horrível como o desta manhã", disse o motorista de ambulância Alef Ahmadzai à Associated Press. "Havia chamas em todas as partes, e muitas pessoas encontravam-se em estado crítico".
Contactada momentos após o ataque, Friba, líder da Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão, disse:
(Foto: Shah Marai/AFP)
"Todo mundo ainda está impactado. A cidade morreu com a explosão ."
Em uma breve entrevista, a líder de mulheres afegãs fala sobre um dos piores ataques suicidas no Afeganistão em muitos anos, e sobre o escárnio de "Guerra ao Terror" dos Estados Unidos em seu país.
Friba, que não menciona o nome verdadeiro por razões de segurança enquanto a RAWA atua clandestinamente, desmascara uma vez mais o governo e a inteligência local, e a coalizão liderada pelos EUA que há 16 anos prometeu libertar seu povo, especialmente as mulheres.
Corrupção e aliança com terroristas, de acordo com a líder da RAWA, permeia todos os poderes em seu país, inclusive as forças estrangeiras.
"Traidores que vendem seu país para forasteiros obviamente não se preocupam com seu povo, nem com sua segurança."
Friba afirma também que a insegurança aumentou em seu país após a invasão dos EUA em outubro de 2001, e que a solução não reside em nenhuma força estrangeira, apenas nas mãos do povo afegão.
"Não passa sequer um mês sem um ou dois ataques que deixam dezenas de mortos e centenas de entes queridos de luto".
Uma realidade não mostrada no Ocidente por uma mídia predominante sustentada por fabricantes de armas, o que suscita uma vez mais a questão: há vidas humanas que valem mais que outras para os ocidentais?
"A Guerra ao Terror" não é mesmo travada contra terroristas, mas apenas contra aqueles grupos terroristas que não cumprem as ordens dos Estados Unidos. Assim como os EUA, o governo afegão fantoche também usa grupos terroristas para seus propósitos. Não é segredo que os Estados Unidos alimentam ativamente o terrorismo no Afeganistão e na região para atacar seus rivais, a Rússia e a China ", diz a líder revolucionária.
Abaixo, a entrevista completa com a Friba.
Edu Montesanti: O que aconteceu exatamente, e por que as forças afegãs, financiadas e treinadas pelo Exército dos EUA, não podem proteger seu país há 16 anos da invasão da coalizão liderada pelos EUA no Afeganistão já que ataques como este são frequentes, e até crescem mês a mês em número e em intensidade?
Friba: O número de mortos aumentou para mais de 100 agora com mais de 400 feridos. No entanto, estas são estatísticas oficiais que não podemos confiar inteiramente, e as baixas podem ser maiores que isso. A insegurança no Afeganistão tem sido a maior dificuldade que nosso ovo enfrentou após a invasão dos EUA.
Para começar, a "Guerra ao Terror" não é mesmo travada contra terroristas, mas apenas contra aqueles grupos terroristas que não cumprem as ordens dos EUA. Isso significa que os EUA e seus aliados não têm como alvo o Taliban nem outros grupos terroristas que lutam as forças afegãs, uniformemente. Na verdade, soldados afegãos testemunharam que os helicópteros das forças estrangeiras derrubassem armas nas áreas de Taliban e o pagamento de enormes subornos aos talibans.
Não é segredo que os EUA alimentam ativamente o terrorismo no Afeganistão e na região para atacar seus rivais, Rússia e China - a crescente instabilidade e a mudança da presença terrorista para o norte do Afeganistão, é a prova dessa política.
O aparelho afegão é composto de criminosos jihadistas, lacaios de países estrangeiros e cujas próprias vidas dependem do apoio de seus mestres estrangeiros. Traidores que vendem o país para estrangeiros, obviamente, não se preocupam com seu povo nem com sua segurança. Seu único objetivo é encher os bolsos com o dinheiro de países estrangeiros e, em troca, permitir que eles influenciem o Estado através dos mais altos escalões mantendo seus laços mafiosos, traficando drogas (muitos oficiais do governo afegão proeminentes são figuras da máfia e senhores da droga), praticando sequestro e outras atividades criminosas.
(Foto: Omar Sobhani/Reuters)
Essa natureza mercenária gananciosa do Estado também se traduz em corrupção nos altos escalões do Ministério das Forças Armadas e da Defesa. Esses órgãos têm sido atingidos por casos de corrupção de alto nível com escândalos que vão desde a captura de terras a casos de "soldados fantasmas" e roubo de combustível na casa dos milhões de dólares, passando por acusações de conluio com os talibans.
Enquanto os jovens afegãos morrem na linha de frente de guerra todos os dias, os correligionários da fé taliban no governo afegão propõem "conversas de paz", chamando os brutais talibans de "irmãos aborrecidos". Eles libertaram inúmeros terroristas perigosos das prisões ao longo destes anos. É natural que toda essa situação mata o estado de ânimo e a disposição dos jovens soldados afegãos, que morrem em batalhas todos os dias para lutar contra esses terroristas sem chance de questionar.
Essas forças estão lutando por um governo e por militares que não se preocupam com eles, mas profundamente envolvidos em corrupção e circulando com muito dinheiro. Um governo que acolhe os assassinos de braços abertos, apesar de inúmeros massacres cometidos por eles. E um governo cujos apoiantes estrangeiros fornecem, a esses inimigos, armas e dinheiro!
Esses soldados foram abandonados por seus superiores quando estavam sob o cerco do Taliban, e vários ataques sangrentos contra esses soldados levaram a suspeitas de conluio interno. Como esses jovens podem lutar com alta disposição em uma situação assim?
Hoje, o propósito da maioria dos soldados afegãos é ganhar algum dinheiro para as famílias nesta situação de pobreza extrema e desemprego através dos salários que são pagos [pelo engajamento bélico], de maneira que a intenção não é lutar contra o Taliban pois eles não veem nenhuma diferença importante entre os talibans, os generais do Exército e os funcionários de alto escalão que possuem um passado sangrento e sombrio, envolvidos em crimes de guerra.
Isto tudo para não mencionar que a força da Polícia e do Exército já está devastada pelo analfabetismo, ela dependência de drogas e pela má administração. Todas estas são razões pelas quais as forças afegãs têm fracassado continuamente nos últimos quinze anos.
É curioso que, novamente, um lugar muito seguro tenha sido atacado no Afeganistão - há meses, a área militar afegã foi fortemente atacada pelos talibans. O que você pode dizer sobre a Inteligência afegã?
A situação descrita acima também se estende à Inteligência afegã. Assim como os EUA, o fantoche governo afegão também usa grupos terroristas para seus propósitos e se faz de cego diante de terroristas, cumprindo ordens de seus chefes estrangeiros.
De acordo com o ex-chefe da Inteligência, Rahmatullah Nabil, funcionários nos mais altos escalões do governo garantem os interesses de diferentes países estrangeiros, continuam gozando de sua posição e do apoio do presidente - ou seja, são "intocáveis". HanifAtmar, consultor sênior de Segurança Nacional e Masoom Stanekzai, chefe de Inteligência, são chamados de "terno e gravata" do Taliban pelo nosso povo devido à falta de ação contra os talibans e aqueles que estão dentro do governo servindo as agências de Inteligência, que apoiam a Taliban.
A corrupção e o absoluto colapso da liderança militar significam que os talibans podem, facilmente, penetrar na capital, nas bases militares, nos ministérios, nos hospitais militares e agora na área diplomática. Embora comissões tenham sido executadas para a investigação de todos esses incidentes, nunca se compartilha seus resultados com o público. Todos sabem que tais ataques complexos são possíveis graças à ajuda das agências afegãs de segurança, e da Inteligência.
Nenhum grupo reivindicou responsabilidade pelo ataque do último dia 31 de maio: o que é dito no Afeganistão sobre o autor desse ataque?
O Taliban negou qualquer responsabilidade e a Inteligência afegã afirmou que a Rede Haqqani, no Paquistão, realizou o ataque com a ajuda da Inteligência paquistanesa. O alvo específico do ataque também é desconhecido, o que poderia ter oferecido pistas sobre qual país estava por trás do ataque. O Afeganistão tornou-se o centro da guerra da Inteligência entre o Ocidente e seus rivais regionais, Rússia, China, Irã e Índia.
A maioria dos poderes regionais e os EUA/OTAN estão fortemente envolvidos na promoção do terrorismo e na concepção de planos que utilizam grupos terroristas como arma estratégica. Se a Rússia ou o Irã apoiarem um determinado líder ou grupo do Taliban, ele ou eles são imediatamente assediados pelos EUA.
Da mesma forma, se a Índia apoia algum grupo terrorista, é imediatamente atacada pelos EUA com o Paquistão em seus calcanhares. Nesta situação complexa e nebulosa, é muito difícil verificar exatamente qual agência de Inteligência está por trás de tais ataques; mas os EUA sabem muito bem, e podem ter conhecimento prévio de tais ataques, mas nunca revelam essa informação. Assim se dá o jogo no Afeganistão hoje.
O que deve acontecer para que ataques como este tenham fim?
Já dissemos isso antes, e diremos novamente: a única solução para esta situação está nas mãos do povo do Afeganistão. O fim da ocupação dos EUA/OTAN deve ser o primeiro passo da nossa luta por justiça, paz e a democracia. Ocupação e terrorismo são as duas faces de uma mesma moeda.
Se nosso povo estiver mobilizado e organizado sob uma liderança verdadeiramente democrática e nacional, e levanta-se contra seus inimigos - fundamentalistas islamitas dentro e fora do governo, e seus chefes estrangeiros -, só então nosso país pode escapar dessa confusão.