A revista Digital Talkies (Índia)Vol.1 (6), 1 de Janeiro de 2001
Green Left Weekly (Australia), edição 433, 24 de Janeiro 2001

A Repressão e a RAWA:
Uma visão da Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão


cartoon
The O artigo original mostra algumas fotos a mais. -RAWA

O Cenário:
Peshawar - Paquistão
Outubro 2000

Em uma cidade perto da fronteira com o Afeganistão, por séculos é um centro para viajantes e comerciantes, contrabandistas e soldados, uma história ligada com o Khyber Pass, na rota da seda, rota da pimenta, rota do ópio desde os tempos de Buda, Mughal e Sikh. A cidade antiga: um mosaico de bazares enfeitados, lotados de gente, animais, objetos e estórias de todo gênero. Os prédios que tem portas esculpidas, sacadas, estradas curvilíneas e estábulos, lojas de especiarias e vendedores de perfume lançam no ar cheiros intrigantes.

Estou perambulando através das estradas em um carro junto com uma mulher que eu não sei o seu verdadeiro nome, ela não tem endereço fixo e não pode me dizer aonde está indo. Nós paramos em um açougue, estávamos negociando um peça enorme de carne que estava pendurada num anzol acima da porta, alguns homens altos e com uma aparência um pouco hostil estavam perto da entrada nos vigiando e então um deles disse para nos sentar. Um homem muito gordo com uma barba espessa e olhos misteriosos sentou atrás de um balcão e começou a servir xícaras de "kawa" (chá verde) para todos nós. Eu bebia o chá enquanto coisas eram sussurradas, pessoas se entreolhavam, arranjos eram feitos.

Nós entramos em outro veículo, desta vez acompanhada de um homem. Como de costume, eu não me apresentei a ele; quanto menos informação melhor. Mais algumas estradas tortuosas e outra loja, desta vez em uma alfaiataria, de novo o mesmo processo. Eles falam cerca de 4 idiomas: Pasthu, Dari, Urdu e Pashai; não havia uma maneira de eu entender alguma coisa. As estradas eram tão confusas que eu não sabia onde estávamos, mesmo se já tivéssemos estado lá, mas eu estou tomada: pelas visões espantosas, pelos odores, pela atmosfera; tudo é misterioso, exótico, romântico e principalmente dramático.

Poderia ser um filme de James Bond. Mas não é.

A poucos meses atrás eu nunca imaginaria que isso seria possível; eu estava em Los Angeles (onde tenho vivido por 20 anos) e tinha ido a uma livraria ouvir uma dupla de representantes do RAWA, organização dos direitos da mulher afegã. Eles estavam viajando por todo os Estados Unidos falando sobre o RAWA e eu fiquei tão impressionada pelas sua apresentação e tão apavorada com a situação que elas descreveram que eu fui procura-las mais tarde. Quando elas me ofereceram uma oportunidade de conhecer o Paquistão e me perguntaram se eu poderia fazer um documentário sobres as condições da mulher afegã, eu dei um pulo de alegria, era a minha chance. È como me encontro agora, poucos meses depois dentro de um pequeno carro, equipada com uma mini camera, um mini sytem sem fio, um tripé de luz e um plano vago para fazer um documentário.

Eu tenho que admitir assim como é excitante, foi também muito apreensivo a minha viagem ao Paquistão por conta própria.

O departamento dos Estados Unidos tinha noticiado um alerta de perigo em relação as viagens ao Paquistão que dizia: "É inseguro viajar, especialmente para mulheres solteiras". Eu fiquei com medo quando confiscaram a minha camera no aeroporto. Se eu subornasse os oficiais da imigração seria aprisionada por isso. O alerta da viagem era para não ir as áreas tribais onde o Khyber Pass está localizado, dizendo que era tão perigoso até mesmo para o governo paquistanês que não tem jurisdição lá. È controlada por bandos errantes da tribo "Patane".

Um artigo recente de uma revista focou especialmente a região de Peshawar, descrevendo como a "casa" do terrorismo, contrabando de drogas, comércio de armas e muita violência. Supostamente era mais fácil comprar ali um lançador de misseis do que um par de meias.

Muitas destas idéias foram desfeitas logo. A chegada era fácil, o aeroporto era limpo, os policiais usavam bastões e os oficiais da imigração todos eles sorrindo, nenhuma perspectiva de suborno. Os equipamentos fotográficos nem mesmo eram questionados. Tão longe de noticias como violência, drogas, etc, É ali, Nova York, ali prevalece as armas, é muito mais fácil encontrá-las na América. Me pareceu mais seguro que algumas partes de Los Angeles.

Eu me encontrei usando 2 chapéus como um cinegrafista: eu estava completamente tomada pelo ambiente pictoresco de Peshawar, o ar de mistério e romance associado ainda existem e a visão é excelente. O exótico, encontros clandestinos, pseudônimos, mudanças de endereço e escoltas, fortaleceu meu senso de aventura, mas eu logo percebi que a vida no RAWA não era de glamour, era sua vida real. Elas tem que tomar precauções por causa do medo que elas sentem. Isso é necessário, comum e vivendo esse modo de vida todo dia é difícil.

Todos aqueles arranjos, as lojas, a mudança de carros, etc, não foram para ganhar drogas ou armas, mas justamente para visitar um orfanato. A mulher que estava nos estava acompanhando era membro da RAWA. Conhecida como "Sahar", ela era minha guia, uma intérprete e se tornou uma amiga íntima. O orfanato era um de muitos no Paquistão financiado pela RAWA. Comporta cerca de 30 crianças afegãs, todos elas perderam um ou ambos pai e mãe nas lutas. As crianças recebem proteção e também roupas, comida e uma boa educação apesar das circunstâncias horríveis.

Eu fiquei no Paquistão por 1.5 meses e fiquei disponível para entrevistar muitas pessoas de diferentes modos de vida, desde prostitutas e mendigos até políticos e jornalistas. Marxistas e Mullas, refugiados e até embaixadores e cônsules.

Mas as mulheres da RAWA são as verdadeiras heroínas desta estória. Seu trabalho, sua coragem é notável, o que elas conseguiram com poucos recursos, trabalhando sob condição adversa é completamente inacreditável. Elas tem afetado positivamente as vidas de centenas de mulheres e suas famílias e proveu em minha opinião, um de muitos raios de esperança ao contrário de uma situação desolada.

A RAWA representa a Associação Revolucionária da Mulheres do Afeganistão. Aparentemente a palavra "revolucionária" é problemática para muitas pessoas: muito radical, extremo, militante. Sahar está frustrada com a resposta: "È muito simples, porque nós chamados nós mesmas de revolucionárias", ela diz seriamente. O que nós queremos são os todos os direitos humanos para as mulheres, nós queremos que as mulheres sejam reconhecidas como seres humanos no Afeganistão, isto mesmo pode ser considerado como "revolucionário". Nós queremos um governo secular, democrático com liberdade de expressão, discurso e religião para todos; isso também é revolucionário. Pessoas nos chamam de radicais porque nós faz lembra-las de todos os partidos do Jehadi que são fundamentalistas que tem uma visão distorcida do Islamismo, que eles tem cometido todas as odiosas atrocidades contra seu próprio povo e portanto não será incluído no futuro governo do Afeganistão. Nós temos que ser radicais, nós estamos lutando no mais brutal regime: nós temos que ser absolutamente cuidadosas em nossa batalha por nossos direitos.

Fundada em 1977 por uma aristocrática mulher, Meena, o grupo tem vencido todas as "tempestades" dos 22 anos de guerra e batalha. Mesmo antes da invasão soviética no Afeganistão, Meena, feminista confinada, poeta e trabalhadora saudável, fez uma campanha pelos direitos das mulheres no Afeganistão. Quando os soviéticos invadiram, o trabalho se tornou mais crucial e ela e seus apoiadores abriram escolas, albergues e hospitais para os lutadores da liberdade afegãos. Dez anos depois de Ter fundado a organização, Meena foi assassinada, é ainda incerto por quem ela foi assassinada, se foi pelos agentes da KGB ou por Hizb-e-Islami. Mesmo com a morte, Meena transmite uma influência poderosa, inspirando as mulheres a continuarem o trabalho que ela começou.

A batalha do RAWA é maior agora mesmo sob o regime do Taliban, que estão negando pessoas, especialmente mulheres os seus direitos básicos. Uma série de leis que restringem as vidas das mulheres no Afeganistão são conhecidas agora: Elas não podem trabalhar, não podem ir a escola, precisam viver em casa com janelas escuras para não serem vistas do lado de fora, não podem deixar as suas casas sem a presença de um parente masculino, não podem ser tratadas por um médico do sexo masculino, não podem ser tratadas se estão doentes. Se elas forem pegas transgredindo estas leis, elas podem ser severamente espancadas, aprisionadas e até mesmo assassinadas. Espancamento, estupro, e até mesmo assassinato de mulheres são crimes impuníveis. Sob o regime do Taliban, a presença da mulher é ilegal. A larga proporção das mulheres que sofrem de séria depressão e isolamento, muitas tem escolhido deixar de viver do que aceitar as extremas circunstâncias.

A RAWA tem cerca de 2000 membros entre o Paquistão e o Afeganistão. Com muitos recursos limitados elas gerenciam uma grande variedade de serviços para ajudar na educação da mulher; elas financiam escolas para meninas com idade até 12 anos, financiam clínicas de saúde, cursos de enfermagem, cursos de literatura para as mulheres que tem perdido esta oportunidade de uma educação na infância. Também promovem projetos como criação de galinhas para coleta de seus ovos para vender no mercado; artesanato, costura, bordados, tecer tapetes, tudo isso é incentivado.

A RAWA também ajuda as prostitutas, reconhecendo que milhares de mulheres, muitas delas viúvas, tem sido forçadas a entrar na prostituição, já que o trabalho feminino é banido e não tem como se alimentar e nem alimentar os suas crianças.

Todos estes serviços são providos por um grande risco pelos seus membros, especialmente no Afeganistão. Lá tudo tem que ser escondido, se é descoberto pelo Taliban elas serão punidas com a morte imediatamente. Sahar diz que é a única maneira de nossas mulheres terem educação, conseguirem assistência médica, nós temos que fazer isso. O Taliban e outros partidos do Jehadi tem decretado a morte dos membros da RAWA por apedrejamento assim como fazem com as prostitutas. Este é o motivo porque trabalhamos em segredo, usamos pseudônimos e não podemos ficar no mesmo lugar por muito tempo. Elas são o único grupo afegão que esta trabalhando dentro do Afeganistão.

A RAWA também financia reuniões, protestos e demonstrações no Paquistão para chamar a atenção da situação da mulher afegã. Estas demonstrações são normalmente bem aceitas, atraem públicos de até cinco mil pessoas, os homens do RAWA são guarda-costas e fazem escoltas e também são muito prestativos nas ajudas. A RAWA também publica revistas e eventos culturais aumentando assim o número de membros que são convidados a participar de conferências e seminários internacionais.

Recentemente a RAWA tem começado um novo projeto, um vídeo documentário. Em Novembro de 1999, uma mulher em Kabul foi sentenciada a morte por suspeita de adultério. Todas as mulheres de Kabul foram convocadas para assistir a execução, que tomou todos os lugares do estádio de esportes no centro da cidade. Um membro da RAWA contrabandeou uma camera de video e colocou sob a "burqa" e filmou todos os procedimentos. Desde então outras punições tem sido documentadas: amputações, um enforcamento, morte por cortar a garganta, etc. Nenhum canal de noticias irá comprar ou publicará nossa metragem, entretanto a RAWA está mostrando ao mundo o que está acontecendo em nosso país. Não há respostas fáceis.

Por causa das opiniões políticas, eles não podem qualificar como uma ONG e o capital para ser investido é difícil apesar da ajuda humanitária que eles fazem. Recentemente eles tem pedido ao governo do Paquistão se ele poderia distribuir colchões para os milhares de refugiados afegãos que estão instalados na fronteira, o Paquistão fechou as fronteiras. A permissão foi negada porque o grupo não tem "status oficial". Eles confiam nas doações particulares de indivíduos e nas taxas vindas das vendas de revistas e estão trabalhando com outras maneiras de arrecadar dinheiro.

A ênfase da RAWA na educação é central, as pessoas precisam ser educadas, precisam Ter consciência de suas condições, "eles não tem que viver assim como vivem" diz Sahar. "O Taliban e os Jehadi não sabem nada sobre a cultura e a história do Afeganistão, eles querem negar a educação ao povo, porque eles querem vê-lo na ignorância, assim fica mais fácil controlá-lo".

Enquanto muitas mulheres conseguem suas realizações, é ainda árduo entrar para a RAWA para convencer a população sobre a sua forte fé na educação. "Antes de falarmos para as mulheres, nós precisamos convencer seu maridos para permitir que falemos com elas. Muitas vezes os maridos chamam suas esposas de "cabeça fraca" e não enxergam a necessidade de educá-las" diz Sahar.

Mas ela ainda está esperançosa, ela diz que muitos afegãos estão cheios de lutas e guerras, mas estão mais cheios ainda com o Taliban e sua versão do Islamismo. "Mesmo os homens" diz ela não suportam o Taliban, os homens também sofrem muito; eles são espancadas se não tiverem barba ou se ela estiver muito curta, se eles não fecharem suas lojas para rezar 5 vezes por dias são aprisionados. Isto não é o Islamismo, o Islamismo diz claramente que as mulheres podem ser educadas, podem trabalhar. O Islamismo claramente posiciona "Não pode haver obrigação na religião". Lá tem poucas oportunidades de trabalho, não há infra-estrutura e mesmo as escolas para meninos não tem muitas vantagens. Quem pode viver sob estas condições?

Eu ouvi inúmeras histórias de perdas, sofrimento e miséria. Todo afegão que eu encontrei tinha pelo menos perdido um ou mais membros de sua família, devido a mísseis, minas terrestres, combates, torturas, estupros, a lista não tem fim. Ao contrário este horror a RAWA está trabalhando e causando um tremendo impacto positivo nas vidas das pessoas. Não estão afetando apenas materialmente, mas também moralmente: eles provem esperança, tão vital para os fatigados de guerra.

A RAWA está também causando um impacto mundial. Com o lançamento de sua website (http://www.rawa.org), eles tem alcançado milhares de pessoas por todo o mundo, ganhando um espantoso apoio, muitas das quais se traduzem monetariamente. Se alguém contribuir com um dólar, isso ajuda, porque um dólar pode colocar uma menina na escola por um mês. Qualquer quantia ajuda.

Nós esperamos que o mundo ouça a nossa mensagem. Nós esperamos que o mundo possa ouvir nossas vozes sufocadas e se junte conosco, assim nossas vozes aumentarão e se fortalecerão contra os opressores. Nós queremos retornar a nossa casa, ao nosso país, se nós perdemos o nosso país, nós temos perdido para nós mesmos. Nós trabalharemos pela paz, liberdade e democracia no Afeganistão, não importa quanto tempo leve e quantas vidas sejam sacrificadas, nós sabemos que eventualmente nós venceremos.

È isto que as pessoas querem.

Não há respostas fáceis, os refugiados nãos serão provavelmente capazes de voltar para casa por um longo tempo. Ainda há uma coisa da declaração de Sahar que ressoa verdadeira e eventualmente se espera, se levará afora.

Para ler mais sobre a RAWA, por favor visite a sua website na http://www.rawa.org





Meena Nanji é uma cinegrafista em Los Angeles. Ela está presente no subcontinente, produzindo um documentário da RAWA.

Reconhecimentos:
Todas a fotografias deste artigo foram tiradas pela Website da Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão.


De:
http://www.digitaltalkies.com/magazine/2001/JAN/1/11/limelight.asp
http://www.greenleft.org.au/current/433p22.htm





[Tradução espanhola do artigo]
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